TL,DR: Vou abraçar novos desafios e o ClinicoMais continua a ser suportado, para já.

Outubro marcou três últimos na minha vida:

  • O meu último dia de trabalho na SPMS
  • O meu último dia de trabalho associado à função pública
  • O meu último dia de trabalho na área da saúde

Ainda que todos tenham sido fruto do mesmo acontecimento, a minha demissão, creio que estes três acontecimentos têm relevância individualmente.

É importante realçar, no entanto, que não se inclui na lista o último dia de desenvolvimento do ClinicoMais ou a última versão lançada. Mas tratemos dos assuntos por partes.

Durante os últimos dois anos tive a honra de trabalhar por aquilo que acreditava ser o caminho para os sistemas de Cuidados de Saúde, nomeadamente os sistemas clínicos com que os profissionais de saúde, médicos ou não, interagem, e principalmente os médicos de família (MGF). Fazê-lo na EPE responsável pelo sistema que abrange todos os MGF públicos de Portugal Continental foi um grande desafio. E fazê-lo ao lado de algumas das pessoas mais trabalhadoras que conheci na minha vida profissional foi um privilégio inigualável. Algumas destas são amigas que ficam para a vida. Infelizmente, não alcancei o objetivo principal da minha estadia, e o mundo não mudou. Mudaram várias coisas no entanto, e acredito ter sido uma influência positiva. Acredito também que estamos num ponto crucial nos sistemas de saúde e o próximo ano trará muitas novidades. Mas a mudança é difícil, ao contrário de falar sobre mudança, que é criminalmente fácil.

Ao sair da SPMS, também terminou o meu vínculo com a função pública. Aqueles que me conhecem melhor estão familiarizados com as minhas posições filosóficas e consequentemente partidárias. Evitando aprofundar debates políticos, resta-me dizer que várias empresas privadas fazem um ótimo trabalho a promover os sistemas públicos. E, no final do dia, um sistema feito pela iniciativa privada e que é exclusivamente usado na função pública é assim tão diferente de um feito por uma empresa pública?

Finalmente, a saída da saúde é aquela que poderá ser a transição mais estranha. Após 11 anos de formação para ser médico de família, pode a minha mudança para uma empresa que nada tem a ver com a saúde implicar que ocorreu talvez algum desperdício?

Discordo. Quer dizer, se pudesse voltar atrás, provavelmente não optava por colocar medicina como primeira (e única) opção na candidatura ao ensino superior. Mas se pudesse voltar atrás, levava comigo os números do euromilhões e era um homem mais resolvido financeiramente. E aproveitava para corrigir a forma como lidei com certas pessoas ao longo da vida, que me assombram nas noites mal dormidas. E dizia ao Joca para não saltar, e que dói. Mas não é assim que a vida funciona. E este caminho estranho faz parte de mim. Tive a oportunidade de ajudar milhares de pessoas como médico, e ainda tenho, nas raras ocasiões em que faço diagnósticos e prescrevo. Também levo da profissão o “calo” de tomar decisões sem caminhos certos, ou a obsessão pela constante investigação.

Tratemos agora do ClinicoMais. Ele não está morto, aliás, sairá em breve uma nova versão, a última com novas funcionalidades, provavelmente. O valor maior do ClinicoMais está na sua interoperabilidade com o SClinico CSP, sendo que desenvolvê-la é um processo que se torna proibitivamente complexo sem acesso ao SClinico. Ainda que montar as funcionalidades possa ser relativamente rápido, há sempre algo que não sai bem à primeira ou que deixa de funcionar com alguma atualiação. Assim, o ciclo de desenvolvimento passaria a implicar o envio de uma nova correção a algum colega, que só poderia experimentar quando estivesse no centro de saúde, para devolver feedback que eu aplicaria fora de horas e enviaria novamente. Mais importante que isso é a capacidade de perceber o que devem ser novos desenvolvimentos e como alcançar determinada funcionalidade da forma mais eficaz. Considerando estas dificuldades, é natural que o ciclo de vida desta aplicação esteja a chegar ao fim. Felizmente, acredito que a SPMS o tornará obsoleto em breve, pela positiva.

Mantive o ClinicoMais durante quase 5 anos. Nesses 5 anos, incontáveis horas foram vertidas na aplicação e centenas de euros foram gastos no pequeno servidor e na manutenção da conta de e-mail. Neste último ano, abri espaço a doações, tendo recebido algumas críticas. Não obstante, recebi duas doações durante esse tempo, que cobriram parcialmente o custo do servidor nesses meses. Estas doações serviram para algo mais valorizável, saber que os colegas gostam do meu trabalho e quiseram agradecer. Tantos outros felicitaram-me por e-mail ao longo dos anos. Foram estas palavras, das diversas formas, que mantiveram o ClinicoMais vivo até hoje. Agradeço a todos pelo vosso apoio ao longo dos anos. Aos que escolheram criticar o meu trabalho ou propósito, agradeço também, pois foram bons assuntos de discussão de café.

Esta saída carimbada com o clássico rótulo de “abraçar novos desafios”, não tem muitas mais razões. Especificamente, não é por questões monetárias. Mesmo que fosse, duvido que os colegas Médicos, atualmente em luta pela valorização financeira do seu trabalho, me criticassem. Não quer dizer que eu não goste de ganhar dinheiro, mas se esse fosse o meu único objetivo, estava numa clínica particular a ver utentes, ou no LinkedIn a escrever disparates e tinha uma fotografia de braços cruzados, com o corpo voltado a 3/4.

Por fim, acho importante realçar que ainda estou ligado às tecnologias da saúde e não acredito que isso mude algum dia. Tive o prazer de colaborar com o Sindicato Independente dos Médicos e a APMGF, entre outros, laços que não quebro apenas pela minha transição. Pelo contrário, poderei trazer insights novos, pelo experienciar de outras formas de trabalhar e outros métodos de produzir software com qualidade.